domingo, 1 de maio de 2011

O Grande Dragão Vermelho e a Mulher Vestida de Sol


O Grande Dragão Vermelho e a Mulher Vestida de Sol do poeta e pintor inglês William Blake
                
Qual o limite em nosso espírito entre o céu e o inferno? Em que medida uma crença adotada e defendida com garras e sangrias fervorosas pode se transmutar em uma grande besta, um monstro horrendo de dez chifres e sobre estes, dez diademas, o qual irá devorar seu sol interior, eclipsar a pureza e a ingenuidade do mais luminoso espírito, destruir a bondade o equilíbrio e o que ainda há de divino em cada ser?

Em existências tão irregulares e desiguais quanto os padrões digitais dos dedos de uma mão, crenças e instituições que deveriam nos religar à uma fonte de águas cristalinas espirituais, celestes, estas mesmas acabam por ser responsáveis por desembocarmos no mais lodoso pântano, na mais fétida fossa de águas paradas e contaminadas de detritos do que há de mais sujo e asqueroso dentro de nós.

Como reação alguns se levantam como um monstruoso Dragão Vermelho, temido e odioso sim, mas também poderoso, violento e dono de sua própria existência mutilada, através do ódio, rancor, desespero e ferocidade, e, nesta identidade bestial se arremetem contra toda forma pura vestida de sol que esteja em si mesmo, ou em outro ser. 

Eis o inimigo de nossa mulher interior, de nossa luz virginal, das maravilhas celestes dos restos divinos em nós: nossa própria existência destruída e desorientada, fruto de sucessivas decepções e torturas medievais, mortes interiores orquestradas pela diferença entre o que nos fizeram acreditar e o que mostra-se como real. 

Porque nosso instinto demoníaco mais covarde bem o sabe... quando você que é o monstro da história de terror, é bem menor o risco de que algo saia dos cantos escuros para lhe pegar. 



Às vezes adotamos crenças que com o passar de nossas vidas, ao longo de sucessivas construções e reconstruções de nossa existência, acabam por se tornar pedras angulares para nosso ser. Às vezes estas crenças estão suportando tantas coisas que de outra forma não conseguiríamos aguentar, que se fossem extirpadas de nós, todo nosso castelo existencial ruiria abaixo. Nosso ser desabaria sobre si mesmo em uma assustadora e evidente falta de sentido.

As crenças religiosas, por exemplo, podem assumir eventualmente esta função em nossas vidas. Alguém para  quem a vida é um catálogo de erros, um conjunto infinito de angústias e ansiedades, um espaço repleto de ausência de sentido, pode sair com seu carro do ano, parar em um supermercado e encher seu carrinho com produtos que nunca vai precisar. Pode alimentar vícios. Ou preencher isto com uma crença.

Vale dizer e ressaltar: não há porque algumas pessoas rotularem e julgarem esta situação como certa ou errada. A natureza da situação não permite isto. Não há nenhum problema ético envolvido aqui. Trata-se apenas de uma condição existencial que o sujeito adotou para si com toda sua autonomia para fazer escolhas. É legítimo.

Ou seja, se o indivíduo quiser se açoitar até a morte por uma crença, quiser pregar suas mãos e pés em uma cruz, se desfazer de todas suas posses ou qualquer aparente excentricidade, não há nada a ser falado ou a ser feito. Nem deve-se cogitar isto, afinal o indivíduo provavelmente estará se realizando assim, existencialmente estará tentando se completar.

Mas nem sempre é assim. 
Por vezes certas pessoas adotam para si crenças que nada têm a ver consigo. Crenças que contrariam sua história de vida, a construção de sua personalidade, entram em conflito com outras crenças adotadas anteriormente, ou simplesmente com seus instintos naturais, seus talentos mais íntimos, sua própria essência.

O acolhimento de um sistema de crenças nesta situação se dá muitas vezes ferindo frontalmente nosso direito de escolha desde a infância, quando já nascemos em uma cultura e uma sociedade que nos impõe sumariamente os valores de uma religião vigente. Falsa liberdade, falsas escolhas: a criança tem que ser livre para escolher desde cedo suas convicções, desde que meu filho ou filha não vire um pagão, um satanista, um homossexual,...

Se esta imposição não é clara para quem sofre a esclerose de já ter se acostumado com a falácia de liberdade de culto e crença em uma sociedade cujos valores são determinados por religiões segregacionistas e repressoras, imaginem se a situação abaixo seria aceita com naturalidade pelos pais zelosos da educação de seus cordeirinhos:

Qual é o problema? Não defendemos que vivemos em uma sociedade laica com liberdade de crença e culto?


Então crescemos com estes valores impostos por uma correspondente teologia, com seus mitos criacionistas e livros de verdades reveladas, e isto naturalmente fará parte de nossas vidas.
Para muitos acaba se tornando como um objeto estranho que o corpo acabou assimilando para si, um implante cibernético, que embora muitas vezes monstruoso e antinatural, pode ser usado para finalidades práticas, para se sentir forte, e até mesmo para oprimir. Nada mais gostoso do que, ao ouvir ideias incômodas, colocar o dedo no rosto de nosso interlocutor ameaçadoramente e dizer: "mas a Bíblia é clara e  de acordo com ela, o que você diz está errado". Não há nada mais confortável do que "saber" que andamos ao lado da "verdade".

O que nós adotamos como valores é fruto de nossa escolha? Em uma sociedade onde só há isto para ver, realmente escolhemos alguma coisa?

Mas como eu dizia antes, mesmo adotando este recurso para ter algum status de importância no mundo, muitas vezes a essência da pessoa não nem nada a ver com aqueles ensinamentos ou verdades. E aí se formam personalidades bizarras e deformadas que propiciam incidentes hilários ou trágicos, ao gosto do freguês.
Um caso engraçado foi o de um indivíduo que tentava converter meu irmão em praça pública com a Bíblia na mão. Ele dizia fervorosamente: "Sabe qual a razão das desgraças do mundo, meu jovem?! É falta de Deus no coração! É falta de Jesus no coração!!!" Subitamente o religioso pára sua pregação, quase deixa a Bíblia cair por terra e balbucia hipnotizado ao olhar para o lado: "Meu, viu aquela morena que passou ali?...que gostosa..."

Muitas vezes o sistema religioso institucional que dá as diretrizes de como alguém deve viver sua vida é diametralmente oposto à essência ou aptidões naturais do indivíduo

Este tipo de conflito é o mínimo que pode ocorrer. Pessoas que fazem ou sentem necessidades naturais de ser ou fazer coisas completamente contraditórias às verdades reveladas, ainda assim usam estas crenças como uma espécie de expiação, de muleta existencial para suportar suas vidas. Não conseguem perceber o quanto os valores que pratica(quando consegue) são paradoxais em relação ao seu ser, a não ser quando sua vida lhe mostra tragicamente as consequências disto.

Muitas vezes aceita-se a imposição sem questionamentos e tenta-se suprimir a todo custo as inclinações naturais. É o caso dos bons religiosos por exemplo, que simplesmente tentam seguir à risca todos os dogmas, todos os parâmetros, todas as linhas de sua religião. Praticam sinceramente. Tentam não errar como seres humanos. Tentam não pecar.

Tudo o que sua mente, seu corpo e sua alma lhe sinalizam de diferente é controlado abafado ou eliminado com fé e convicção de que, o caminho da retidão é tão estreito e tão cortante quanto o fio de uma navalha. Todo sacrifício é feito com alegria, amor e dedicação. E isto lhes completa realmente. Lhes realiza como seres humanos, afinal escolheram um dos lados. O do bem.

"Estou do lado do bem. E você de que lado está?" (Renato Russo)

Até que...
por algum infeliz fato em sua vida, estas crenças são abaladas em sua estrutura. Por alguma razão é demonstrado que os ídolos e ícones de sua vida espiritual na verdade... tem "pés de barro"(quando não mesmo cascos de bode).

Há muitos motivos para haver decepções acerca de religiões institucionalizadas feitas por homens. Desde fundamentos que vão contra a própria existência do ser humano, até distorções cada vez mais maliciosas de seus seguidores. Pode parecer uma mera crítica intelectual, mas esta questão está entranhada em todo crime cometido em nome destas instituições.

E em nome de Deus...


Padre flagrado fazendo sexo com menor em Alagoas. Já não é novidade, afinal o Vaticano vive às voltas com milhares de processos de pedofilia. Agora imagine que você é um cristão devoto e que um senhor como este tenha sido seu mentor espiritual a vida toda.



"HIPOCRISIA- Quando sua Igreja não permite o controle de natalidade mas fecha os olhos para a pedofilia."


Fanatismo e intolerância. Só acontece na religião alheia? Fazemos coisas bem piores por aqui, basta consultar os jornais.


Charge denunciando a falta de ética e de respeito contra tudo o que é diferente em nome de Deus. "O povo escolhido" está no seu sagrado direito de tratar seu próximo como escória.


Esta é antiga... hoje os métodos estão mais refinados. Alguém discorda que nada mudou?


"oferta voluntária" de R$900,00? "Vitória financeira"? Deles talvez. Quem contribuir "voluntariamente" terá sim uma "derrota financeira" nesta batalha que se diz "espiritual".



Flagrante de crime contra a dignidade humana e contra o direito à própria existência. Casal de gays agredido por homofóbicos. De onde acham que vem o fundamento que sustenta este ódio? "O homossexualismo é uma afronta contra a família, contra as leis de Deus..."blá, blá, blá... Começa aí. Depois a agressão covarde esquece seus próprios motivos. Seus pais assim o fizeram, a assim você fará. É religião. É cultura. É diversão.


E se fosse seu filho? Sua filha? Seu irmão ou sua irmã? Seu parceiro ou parceira? Ninguém precisa se comover com isto. Apenas enxergar que o ser humano é mais importante que qualquer sistema de crenças estabelecido.

Em última instância este ódio vira uma barbárie cega, como verão ao acessar o link abaixo:

http://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/2011/04/24/transexual-espancada-no-mcdonalds-conta-seu-drama-e-funcionario-que-filmou-e-demitido/


Quando a decepção amarga em relação a tudo o que você acalentou durante uma vida desce pela garganta abaixo, quando você se sente roubado no mais íntimo, a luz da culpa e do esclarecimento cegam seus olhos, e não há para onde fugir da própria vergonha, o ser morre.

Em seu lugar se cria um réptil tão asqueroso quanto forte, tão ofuscado de ódio e violência quanto poderoso.  Forjado no fogo das piras das bruxas, alimentado pelo sangue dos injustiçados em nome de um Deus, animado pela dor dos que clamaram por um alento e em troca receberam uma lâmina rasgando suas entranhas, o psiquismo humano se transmuta no Leviatã, na besta de mil nomes e propagador das mil desgraças. Nos tornamos como o Grande Dragão Vermelho de Blake.

Desta vez o Dragão sobrepujará a Virgem vestida de Sol e não o contrário. Obra de William Blake.

Assim como no romance de Thomas Harris, um ser doentio e reprimido ganha vida para imprimir em todos à sua volta ao menos uma ideia pálida da dor que carrega consigo. 


Também inspirado na pintura de Blake, o maníaco Francis Dolarhyde busca o poder  de um psiquismo reprimido e de uma existência estilhaçada para se tornar a figura mais ameaçadora e apavorante de seu próprio mundo. É na escuridão que ele se levanta e todo sol interior é eclipsado.


Deixo os dois vídeos abaixo da banda Epica, cujas letras geniais são as representantes mais significativas de muito do que foi dissertado até aqui.



Seif Al Din


Cry for The Moon



Cordeiro de Deus, que tirai os pecados do mundo...tende piedade de nós...



9 comentários:

  1. olá, sinceramente não me dei ao luxo de ler seu texto do incio ao fim, mas creio que captei a 'ideia'.
    O bacana a se analisar é que, existem médicos bons e ruins, políticos bem intencionados e os maus intencionados. e por aí vai.
    A religião segue a mesma vertente, como disse, não li o texto todo, mas pelo seu estilo, creio que você é um desses que critica o alheio mas esquece-se do seu Meio. bom, seu papel de fundo do blog te denuncia; um caldeirão com uma mulher a lá Shakespeare em uma labareda alta rodeada por símbolos que provavelmente você conheça superficialmente, caso você não saiba esse desenho, temperado com seus comentários e photos deixa implícito que você tem uma religião, e que nessa religião existe fanatismo!
    budistas, judeus, testemunhas de jeová, católicos, evangélicos fundamentalistas e a lista se estenderia... em todas as áreas. o que fazer? extinguir a religião? lembrando que seus desenhos e opiniões te condenam ao mesmo nível dos que você expôs com suas photos e videos!
    O que fazer?!

    "Examinai tudo. Retende o bem".
    1 Tessalonicenses 5.21

    Grande abrs meu querido(a)

    Kauê Varela

    http://kaue-luna-clara.blogspot.com/

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    1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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    2. Meu deus do céu... Me dá pena ver alguém tão desrespeitoso como você falar sobre coisas que nem sequer entende bem o que traz de consequências ou significados, pois o erro não esta no "sistema", esta em nos mesmos, humanos falhos, egoístas, hipócritas e acima de tudo ignorantes. Então é muito fácil simplesmente colocar a culpa no sistema e depois condena-lo, é como tentar tapar o sol com a peneira, pois de fato o erro reside em nós mesmos e do que adiantaria extinguir o sistema se o erro continuará enraizado na humanidade? Terá as mesmas consequências da revolução francesa, e se você estudar bem entendera o que estou dizendo. Por que afinal não tentamos destruir o mal pela raiz, que seria os NOSSOS próprios defeitos? Por que é mais simples colocar a culpa no sistema, e assim como brasileiros hipócritas criticamos tanto o governo brasileiro e mesmo assim agimos como eles, tapando o sol com a peneira, iludindo-se com a ideia de que o anarquismo é a solução de tudo, mas como? Nos como humanos falhos, ignorantes e gananciosos nunca nos manteremos em igual ao próximo por que simplesmente não queremos enxergar o erro em nós mesmos. Não estou querendo defender nenhuma religião ou igreja, sei muito bem dos horrendos casos que acontecem por de trás dos panos, mas também não generalizo tudo, e antes que venha me criticar com má educação vou deixar bem claro que não possuo religião, estou aqui para defender puramente o justo.

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    3. Cara, você deveria ter lido até o fim e ter entendido.

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    4. Drem Yol Lok
      Carpe Diem

      Perdoe a intromissão aqui após passados 2 anos mas discordo de você em toda essência que disseste.
      em primeiro o erro de não ler tudo e não entender a real mensagem que na verdade trata de olhar dentro de si mesmo, isso se aplicando a todos os seres humanos vendo em todos nós mesmos os dois lados e o que foi citado não passam de exemplos do que acontece quando ocorre, não raras vezes, uma crise existencial que já no começo foi dito 2 ou 3 vezes que este era o tema de todo texto (crise de existência) e se não bem encaminhado gera um enorme desequilíbrio interno levando os indivíduos a se tornarem o que tanto desdenham.
      segundo, tão superficial quanto sua leitura do texto foi a interpretação do perfil dela pela foto de fundo o blog. em primeiro a utilização da foto de uma mulher como a protagonização de Shakespeare incita especificamente a questão "ser ou não ser" o caldeirão com chama alta nada além do que a representação da queima do ego e o cão de três cabeças pode ser tomado pelo fim da jornada dentro de si controlando seus demônios e assegurando seu lado mal, algo que há em todos. sua crítica as letras "que no máximo conhece superficialmente" revela que sua observação da imagem foi tão superficial quanto sua leitura pois esta imagem é meramente um tabuleiro OUIJA com as letras de A - Z e as respostas Sim ou Não.
      isso revele no máximo que a pessoa possui fortes laços com ocultismo e espiritualidade mas de jeito nenhum indica qualquer inclinação a nenhuma religião em especial.

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  2. texto excelente!

    RAINHA DE TODAS AS RAINHAS É HEKATE! AFINAL ELA SIM, É DEUS ! (quem sera q vai me entender kkkk, 1 em 1000)

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  3. Muito bom o texto.

    Antes de mais nada sou grato pela liberdade de expressão, onde uma pessoa que nem se deu o trabalho de ler o texto inteiro se acha com moral para dar sua opinião de merda.

    Mas nao culpo a ignorância do amigo, que se sente a vontade para falar o que bem entender na segurança do lar atrás de uma tela de computador.

    Deixando de lado o babaca...

    Um trecho em especial no texto me chamou a atenção "
    Porque nosso instinto demoníaco mais covarde bem o sabe... quando você que é o monstro da história de terror, é bem menor o risco de que algo saia dos cantos escuros para lhe pegar. 

    Nos que compartilhamos essa visao de mundo fomos, somos, e seremos julgados e segregados por ser diferentes pensar diferente e principalmente por estar bem com isso.

    Religião apesar de toda a historia contada, serve na verdade como cabresto ou uma forma de controle sobre as pessoas. por um lado pode ser bom por dar um rumo a suas vidas miseráveis. mas por outro lado cria um fanático cego que acha que todos devem ser iguais a ele.

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  4. Gostei do ponto de vista que você expôs, é uma interpretação boa do quadro, fica tranquilo que você já sabe que é muito fácil acabar encontrando gente resistente à qualquer tipo de opinião diferente, não entendi o motivo do religioso ali se ofender e acabar te julgando sem nem mesmo ler o texto inteiro, acho que não deve ter lido por medo de te compreender, enfim teve atitudes bem previsíveis. Não vejo necessidade de religioso algum se ofender, o texto trata muito especificamente de situações críticas, se você souber quem é não precisa interpretar o texto como uma ofensa e sim como um ponto de vista, basicamente, o texto diz que a reação para uma ação horrível não pode ser julgada, quase sempre existirão equívocos, a parte que deve incomodar deve ser a que o texto destaca alguns dos motivos principais que geram essas reações, a religião é um desses motivos... Acho que para que uma pessoa possa entender melhor os quadros, ela deve saber o conceito filosófico de moral antes, parece bobo mas poucas pessoas sabem.
    O mundo vai continuar criando dragões, é inevitável, mas acho que de vez em quando ele pode criar outros seres diferentes, eu acredito que temos poder sobre a forma em que deixamos algo nos afetar e podemos virar os seres que quisermos, mesmo com tantas dificuldades.

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